sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Semeando a descoberta num provável deserto


Ênnio Candotti* é apaixonado pela ciência, pela divulgação dela, apaixonado pelo Brasil e um mestre na colaboração com outras grandes pessoas que além de preocupadas com os destinos da humanidade fazem algo concretamente, sem medo de errar. Sua experiência recente na Amazônia ainda dará o que falar, é necessário apoiá-lo, como for possível.


1 - Da sua trajetória relativamente conhecida na divulgação da ciência no Brasil que momentos ou eventos você considera mais importantes para serem conhecidos?

Prof. Ênnio Candotti - Os seguintes:
a) Nos anos 1977 a 81 - Na Regional da Sociede Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC do Rio de Janeiro (eu era secretário Regional) começamos a pensar a criação da Ciência Hoje (publicada em 1982) e de conferências semanais de divulgação científica (Ciência às 6 ½) e programas de TV (na TV Educativa: o programa Nossa Ciência surgiria em 1980). A realização da Reunião anual da SBPC no Rio em 1980 foi um evento importante para consolidar as iniciativas que até então vinham sendo tomadas por um grupo ligado à Regional da SBPC (Roberto Lent, Jose Monserrat, Alberto Passos Guimarães, Alzira Abreu, Gilberto e Otavio Velho, Reinaldo Guimarães, Maria Elisa da Costa Magalhães). Ao mesmo tempo em que se progredia na divulgação cientifica iniciavam-se as batalhas para a implantação da Fundação de Apoio à Pesquisa do Rio de Janeiro (criada em uma primeira versão em 1980 durante a Reunião Anual da SBPC).

b) A criação em 1982 da Ciência Hoje e em 1986 a Ciência Hoje das Crianças

c) O programa de conferências de divulgação “ciência às 6 ½” realizado nas regionais da SBPC em todo o Brasil entre 1985 e 1989 (eu era vice presidente da SBPC) que serviu para promover a Ciência Hoje e a Ciência Hoje das Crianças.

d) A inclusão na Constituição de 1988 de um parágrafo que permitia vincular recursos para as Fundações de Apoio à Pesquisa e com isso criar instrumentos estaduais de apoio a iniciativas de divulgação cientifica. Apenas agora em 2009 as FAPS lançam grande edital de apoio a museus e centros de ciências. Levou 18 anos! Se não promovermos a divulgação cientifica a educação em ciências e cultura, a sociedade dificilmente participará, com gosto e com sugestões de receitas, do almoço que é oferecido no bandejão da c&t.

e) A Semana de Ciência e Tecnologia é outro marco. Começou modesta em 2003 e hoje mobiliza milhões de pessoas, curiosos, crianças e políticos.

f) A próxima etapa a meu ver será marcada pela criação de instituições (com recursos das Fundações de Amparo à Pesquisa - FAPs, Ministério da Ciência e Tecnologia – MCT e Ministério da Educação - MEC) que promovam uma nova relação entre a ciência a cultura e a natureza. Que propiciem um novo olhar sobre as formigas, os macacos e as plantas. Como eu vejo a formiga, como a formiga me vê?

g) Criar Centros de Ciências ou Museus de tipo 2.0 que permitam educar e oferecer educação continuada (e crítica) para jovens e adultos.

h) Em Manaus estamos criando um destes Museus vivos modelo 2.0.....onde só os postes ficam parados e são proibidos os alfinetes


2 - Quais os principais desafios em fazer ciência - no seu sentido amplo - na Amazônia?

Prof. Ênnio Candotti - Desafios na Amazônia? Se pensarmos em “explorar/defender sem destruir” cada 100 km2 de floresta com um engenheiro ou profissional com formação superior e dez com formação técnica de nível médio, verificamos que precisaremos de pelo menos 300 mil técnicos e 30.000 engenheiros (ou similar) Um numero muito superior ao que existe ou esta sendo formado hoje. Portanto a formação de gente é a prioridade máxima.
Por outro lado, qualquer programa de desenvolvimento em C&T descentralizado esbarra com problemas de infraestrutura: saneamento, transporte e comunicações. Falta uma rede de transporte rápido (poderíamos explorar a hidroaviação). Como oferecer assistência médico-hospitalar, etc. se o posto mais próximo fica a quatro dias de barco?
Outra questão é que a floresta por ser desconhecida é vista por grande parte da população como inimiga. Amigo é o asfalto, o cimento, etc.
E mais, quando a floresta tem valor é porque seqüestra CO2! Oras... As árvores, ecossistemas e gentes que habitam a floresta valem muito mais que um seqüestro de CO2, e valeriam mesmo se descobríssemos que o saldo de seqüestro é negativo!
Atribuir o justo valor científico, cultural, etc. à floresta é o maior desafio da Amazônia e na Amazônia, uma vez que dificilmente isso poderá ser feito por Brasília ou SP.


3 - Fale dos seus projetos atuais.

Prof. Ênnio Candotti - Projeto atual: Construir o Museu da Amazônia - MUSA: Museu vivo em que encontramos lado a lado oficinas de trabalhos práticos para aprender a cultivar hortaliças comestíveis, mas não convencionais e estações de observação equipadas para ver um formigueiro por dentro (se temos tecnologias para ver o intestino delgado por dentro por que não usá-las para ver o que acontece dentro de um formigueiro?)

4 - Que pessoas têm contribuído com a formação e divulgação da ciência brasileira nos últimos tempos?

Prof. Ênnio Candotti - O campeão é o Ildeu de Castro Moreira, mas a ele podem se agregar dezenas de nomes. Em 1980 cabíamos todos em uma Kombi, hoje não cabem em um navio.
Cuidado porem, a divulgação cientifica ainda é, em boa parte, propaganda do “valor de troca” da ciência, um valor de mercado que sofre todas as crises (e manipulações) dos nossos tempos. Uma ciência a serviço do poder.
O valor de uso da ciência, um valor cultural que cada sociedade determina em sua historia e com suas lutas por justiça e democracia, este está muito pouco presente em nossas discussões.
No caso da C&T na Amazônia devemos sim agregar valor aos produtos naturais, mas a meu ver devemos agregar “valor de uso” histórico e cultural e não “valor de troca” típico dos mercados da economia.


4 - Seus futuros projetos.

Prof. Ênnio Candotti - Agregar “valor de uso” aos produtos do conhecimento.
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*Ennio Candotti é físico e professor da Universidade Federal do Espírito Santo. Presidiu por quatro vezes a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC. Ao longo dos anos, dedicou-se aos estudos das simetrias e leis de conservação em física teórica, divulgação científica, epistemologia, educação em ciências, museus e meio ambiente.